Nos últimos dias, as ruas de Varsóvia encheram-se de manifestantes contra a lei que proíbe o aborto em casos de malformação do feto. Ontem, foram mais de cem mil pessoas.
Rui Vieira Cunha (texto)
Fotografia: Wojtek Radwanski/AFP via Getty Images
Sem intenções de se renderem, os manifestantes pró-aborto, na sua maioria mulheres, marcham há mais de nove dias consecutivos pelo direito ao aborto em casos de malformação do feto – mais de 95% dos abortos que ocorrem no país.
As manifestações surgem depois de o Tribunal Constitucional, onde o Partido Lei e Justiça assegura a maioria, ter declarado que pôr fim à gravidez por malformação do feto era inconstitucional. Desta forma, se a proibição entrar em vigor, as mulheres polacas só podem interromper voluntariamente a gravidez em caso de violação, incesto ou risco para a saúde da progenitora.
Poucas horas antes da manifestação desta sexta-feira, o presidente Andrzej Duda tentou acabar com os protestos, com uma proposta que permite as interrupções da gravidez quando as malformações colocam em risco a vida do feto. Contudo, a tentativa não teve sucesso, dada a vontade expressa pelas manifestantes de demonstrar à comunidade nacional e internacional que não se curvam perante as políticas ultraconservadoras defendidas pelo presidente e pela extrema-direita.
Nas manifestações, erguem-se inúmeros cartazes com frases alusivas à liberdade de escolha da mulher e à dignidade humana: “Eu penso, eu sinto, eu decido”; “Respeitem a minha existência ou esperem a minha resistência”.
Esta sexta-feira, realizaram-se também “contra-manifestações” organizadas por grupos de extrema-direita, que contaram com um número reduzido de participantes vestidos de preto. Alguns grupos tentaram atacar os manifestantes pró-aborto, o que obrigou a polícia a deter vários membros do grupo nacionalista.
Mas as mulheres polacas não estão sozinhas nesta luta. Esta quinta-feira, centenas de manifestantes foram até à Avenida dos Aliados para defender o aborto, num gesto de solidariedade para com as polacas.
Luta pelos Direitos Humanos
As eleições presidenciais de julho deste ano, que opuseram Duda (ultraconservador) e Trzaskowski (liberal), ficaram marcadas por questões sociais, como os diretos LGBTQ+, aborto ou a liberdade de imprensa.
Duda levou a cabo uma campanha contra as minorias sexuais e conseguiu atrair o apoio da igreja católica e dos setores mais rurais da população. Por outro lado, Trzaskowski defendeu os direitos e a dignidade da comunidade LGBTQ+, sendo que algumas deputadas do seu partido chegaram mesmo a entrar no parlamento com as cores do arco-íris alusivas à bandeira.
Fotografia: Wojtek Radwanski/AFP
Durante a campanha eleitoral, realizaram-se manifestações LGBTQ+, mas também protestos de ódio contra a comunidade, onde se chegaram a queimar bandeiras, como mostram alguns vídeos que circulam nas redes sociais. Os incidentes não ficaram por aí: no seguimento de uma manifestação contra a detenção de uma ativista, mais 48 foram detidos.
O resultado eleitoral foi muito equilibrado, mas a vitória caiu para o lado de Duda, que obteve 51,2 % dos votos, apenas 2,4 pontos percentuais acima de Trzaskowski.
As políticas mais restritivas à liberdade dos cidadãos, que incluem a lei relativa ao aborto, chocaram a comunidade internacional, o que levou a União Europeia a ponderar algumas sanções ao país, por violações ao Estado de Direito. Este foi, aliás, um dos temas abordados no Conselho Europeu Extraordinário de Julho.
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