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Negativos para o vírus. Positivos para a crise

O novo coronavírus deixou marcas em vários setores. A restauração foi um deles. As recentes normas de recolher obrigatório deixam à fome quem dá de comer a muitos. Controlar o vírus passa por controlar o que comemos.

Ana Isabel Ribeiro (texto e fotografia) e Ana La-Salete Silva (áudio)


A restauração foi um dos setores mais atingidos pela pandemia - alvo de sucessivas medidas que fecharam estabelecimentos, reduziram a lotação e os horários de funcionamento. Nestes últimos dias antes do isolamento que os obrigada a encerrar por um mês, o país tem hora marcada para as refeições, porque controlar o vírus passa por controlar onde comemos.


Porta sim, porta sim, os estabelecimentos estão em risco de fechar. Depois de uma primeira quarentena que os obrigou a encerrar — para alguns temporariamente, para outros de vez— chegam agora as restrições que dificultam cada vez mais o negócio. Ajuda do Governo? “É bom, mas não chega”, dizem.




“Ia abrindo todos os dias a ver se a coisa ia andando e pouco mais”


Em Gondomar, Vítor Vieira mudou de ramo de negócio há cinco anos para abrir a confeitaria Bom Pão. Se durante os primeiros quatro anos o negócio corria bem, no último ano, a situação alterou-se por completo. O confinamento obrigou a uma alteração do propósito do negócio. Pequenos-almoços e lanches deixaram de ser servidos para dar lugar exclusivo à venda de pão, situação que prejudicou o negócio, porque mesmo assim, as pessoas não vinham ou vinham muito pouco. “Ia abrindo todos os dias a ver se a coisa ia andando e pouco mais”, revela o proprietário.


“Cheguei a falar com o meu banco sobre ter acesso a uma linha de financiamento do Governo, mas disseram que não tinha direito.”

O mês de março trouxe, nas palavras de Vítor, um “impacto brutal” para a confeitaria ao ponto de ter de recorrer a ajuda financeira. “Cheguei a falar com o meu branco sobre ter acesso a uma linha de financiamento do Governo, mas disseram que não tinha direito”. Com os alunos e as pessoas que frequentam serviços próximos da confeitaria como a Segurança Social ou a Loja do Cidadão como principais clientes, Vítor viu o negócio a fugir-lhe das mãos como se fosse manteiga e a caixa registadora muda e fechada. “Em março, tivemos uma quebra de à volta dos 40%. Entretanto fomos recuperando e essa quebra passou para metade”, revela.


Depois da quarentena e, em especial, na época do verão, o negócio voltou a melhorar, “mas não muito”, alerta Vítor. A escola havia terminado e os serviços continuavam a funcionar por marcação, mas os clientes habituais voltaram. Ainda assim, a faturação ficou longe, muito longe de outros tempos. “Foi dando para pagar as contas. E agora também”, afirma.


Aos poucos, ressurgiu em Vítor a esperança de voltar ao que era, até porque, diz, quer vencer um ano mau, mas as novas restrições deitaram este sonho por terra. “É mais um entrave. Não vejo qualquer melhoria. Embora as pessoas fiquem em casa, isso não equilibra com o prejuízo que traz à parte económica”. Ter o Governo a pagar 20% da despesa? “Não é, de todo suficiente. É só para dizer que vão dar alguma coisa”, afirma. “20 % do prejuízo será sempre muito pouco”, acrescenta.



“Temos que andar, temos que andar”


Basta andar alguns metros para encontrarmos o estabelecimento Mimi Doce, de Ana Lima. Habituada a ter a loja cheia de alunos, agora está praticamente às moscas. A quarentena obrigou-a a fechar portas durante três meses. “Fechei em março e só voltou a abrir no dia 18 de maio”, revela.


De maio até setembro o movimento continuou muito fraco. Dizem que o segredo é a alma do negócio, mas no caso de Ana, o segredo de ainda ter as portas abertas mesmo com uma quebra de quase 90% é uma boa gestão. “Para saber gerir temos de ter dinheiro, temos de ter uma continha de manutenção e é isso que me tem ajudado”, conta.


Ana é mais um exemplo de quem sobrevive com o que têm, já que assim como Vítor, não teve direito a apoios do Governo. “Pedi-os, mas ainda não os recebi. Ainda na semana passada o meu contabilista ligou a dizer— ‘Ana vou pedir outro apoio… Mas nada, estamos à espera’”, revela com risos nervosos de quem espera que a situação melhore. Depois, o riso cai e volta à realidade: “temos que andar, temos que andar”, conclui.



“Tive de despedir”


Fotografia: Ana Isabel Ribeiro


Em São Pedro da Cova, o restaurante Adega Azul, de Vânia Alves, costumava rebentar pelas costuras. Se servia milhares de pratos por dia, não faz uso de grande parte da deles há oito meses. “Estávamos habituados a ter bastantes clientes e, de um momento para o outro, quando começou a pandemia… deixaram de vir”, conta a proprietária.


A clientela habitual, composta por reformados da zona, operários e trabalhadores do comércio das redondezas, quase desapareceu. Sempre foi o estabelecimento de restauração mais movimentado da área, desde que abriu portas pela primeira vez, há mais de 60 anos.

Movimentado ao ponto de se formar fila para entrar. Era frequentado pelos motoristas dos autocarros, picas, cobradores e mineiros para além da população local. Se entrassem lá nos dias de hoje, certamente ficavam não continham o espanto por ver o como a pandemia transformou este negócio num espetro do que já foi. Nos dias de hoje, os poucos que vêm, vêm a medo e a fila tem outro propósito­ — manter a distância de segurança.


Fotografia: Ana Isabel Ribeiro


Antes de ser obrigada a fechar portas durante um mês, tinha mais do que quatro funcionárias que dependiam de si. Aos poucos, a situação tornou-se de tal forma insustentável que teve de pensar a reduzir nos gastos. Os efeitos do novo coronavírus obrigaram-na a cortar no pessoal. “Tive de despedir”, revela.


Quanto às novas regras de recolhimento aos fins de semana que deixam de lado mercearias e supermercados até 200m², é caso para dizer “uns são filhos e outros são enteados”. O descontentamento da proprietária é evidente: “não estou de acordo. No caso dos restaurantes e cafés, acho que, pelo menos até às três horas da tarde, seria possível. Não é por mais duas horas que o vírus vai afetar mais pessoas”.


“As pessoas não aderem. No sábado passado nem uma encomenda tive”

Sem apoios, Vânia Alves mantém-se à tona sem saber como e, agora, com o recolhimento obrigatório a partir das 13h, a situação ficou ainda mais insustentável. “Fazia uma média de 80 refeições só no período de almoço, das 11h às 15h. No sábado, das 11h às 13h, fiz doze”, revela.


As restrições permitem que os restaurantes trabalhem em serviço take away (comida para fora), alternativa à qual Vânia aderiu desde abril, mas nem isso parece ser suficiente para manter o negócio à tona. “As pessoas não aderem. No sábado passado nem uma encomenda tive”, conclui.

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