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Minorias dentro da minoria

Atualizado: 14 de jan. de 2021

As mulheres, de uma forma geral, sentem mais dificuldades em construir uma carreira na política. No entanto, os entraves são ainda mais acentuados para as mulheres negras, LGBTQI+, de etnia cigana ou muçulmana, entre outras.

Rui Vieira Cunha (texto)


Fotografia: Ana Mendes


Atualmente, a Assembleia da República já tem cerca de 40% de mulheres com assento parlamentar, mas, no que toca às que representam também outras minorias, a percentagem é muito mais reduzida - apenas 1,3%.

Este facto é realçado pela investigadora Carla Cerqueira, que refere que“já existe dificuldade quando é uma mulher, então quando é uma mulher que tem outras pertenças identitárias, esta questão ainda se coloca muito mais.” (In)visibilidade das mulheres negras

O movimento colonialista é encarado pela investigadora Sanie Reis da Universidade Nova de Lisboa (na sua tese de mestrado) como a origem da invisibilidade da mulher negra. Durante o período colonial, verificou-se, segundo Pierre Bordieu, uma “dominação masculina” que, por sua vez, conduziu a uma “submissão feminina.”

Ora, no fim do século XV, alguns países como Portugal levaram a cabo uma política expansionista e entraram em territórios para eles desconhecidos com objetivo de “colonizar, explorar e enriquecer”. Segundo Sanie Reis, quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, começaram a “comercializar os negros escravizados de África para irem trabalhar” e a fazer uma “miscigenação com as índias (uma vez que não existiam mulheres brancas)”. Mas foram mais longe, “com a chegada dos negros africanos escravizados, a mulher negra passou a ser o objeto do desejo do colono.”


Segundo Gilberto Freyre, nas colónias havia uma “elite branca” encabeçada pelo “Senhor do Engenho e dono da Casa Grande” que detinha o poder e, neste sentido, “a mulher negra foi obrigada a ser submissa para conseguir “sobreviver”; foi obrigada a ter sexo forçado com o Senhor do Engenho”.

Tendo isto em conta, as mulheres negras colonizadas eram vítimas de dois fenómenos: o sexismo e o racismo estrutural, visto que o “sexismo institucional ou o patriarcado caminhava de mãos dadas com o racismo”.

As mulheres negras não eram apenas “subalternizadas e inferiorizadas” pelos seus patrões brancos, mas também “pelos seus maridos independentemente da sua cor, sofrendo duplamente, porque nesta pirâmide social a mulher negra está na base e o homem branco, europeu, patriarcal e cisgénero está no topo”, realça Sanie Reis.

Na atualidade, o racismo é ainda uma realidade. Apesar de nos últimos anos já haver sinais de melhoria, no Parlamento português só estão representadas três deputadas negras em 230 lugares, e foram eleitas apenas em 2019.

Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda, é uma delas e, em conversa com o SATÉLITE, revela que o facto de “transportar” consigo dois motivos de discriminação a faz, enquanto política, “desafiar o lugar que as mulheres ocupam, e também de desafiar o lugar que as mulheres negras ocupam.”

A deputada bloquista relembra que apenas são conhecidas as diferenças entre salários de homens e mulheres, não são divulgados os dados referentes “à diferença entre o salário das mulheres brancas e o salário das mulheres negras, que ocupam lugares na sociedade muito mais baixos.” E lembra que “se há poucas mulheres presidentes de organizações ou instituições da administração pública, então mulheres negras não há!”

Beatriz Gomes Dias revelou um truque que usou para perder o “medo” de falar em plenários: “tomar a fala, ter de falar é algo que eu comecei a exercitar de uma forma muito consciente. Mesmo que eu achasse que o que tinha para dizer já tinha sido dito por um homem, eu motivava-me, mobilizava-me para falar, para poder quebrar este silenciamento, esta invisibilidade em que, muitas vezes, as mulheres se encontram.”

A linguagem é também um aspeto a ter em conta para fintar as “formas de opressão interiorizadas”. Beatriz Gomes Dias adota uma conduta política de “pensar nos constrangimentos e nos limites que resultaram da minha socialização como mulher e como mulher negra, e depois desmontá-los sempre.”

Este trabalho em torno da desconstrução de ideias pré-concebidas mostra que “Há imensa coisa naturalizada, e que não é natural! É uma construção, não é tradicional, não foi sempre assim! E mesmo que tenha sido assim durante muito tempo, pode ser diferente! Podemos construir outras coisas! Temos é que decidir o que é que queremos construir.“

Desta forma, a sociedade que Beatriz Gomes Dias pretende construir “é aquela que é muito mais igualitária, onde estas formas de exclusão social e discriminação – quer seja discriminação de género, racial, de orientação sexual, de identidade de género, de etnia. Todas estas devem ser combatidas, porque são construções. Não há um determinismo que diga que tem de ser assim e não pode ser de outra forma. Podemos fazer de outra forma!” Mulheres LGBTQI+ na sombra do universo político


Fotografia: Mário Cruz/Lusa

A investigadora Carla Cerqueira chama a atenção para o facto de “ainda haver outras pessoas que não se identificam sequer como sendo homens e mulheres - pessoas não binárias. Essas continuam a ser invisibilizadas. Há um preconceito muito grande relativamente a elas”.

A líder parlamentar do PAN, Inês de Sousa Real, em entrevista ao SATÉLITE, realça o mesmo aspeto e aponta para a existência de “múltiplas formas de discriminação. É importante que os partidos olhem no momento de se constituírem, no momento de darem possibilidade de alguém ter voz representar uma causa.”

Na atual legislatura, apenas uma deputada é assumidamente homossexual - Sandra Cunha do Bloco de Esquerda - e, por este motivo, ainda existem poucos dados sobre a representação de mulheres pertencentes à comunidade LGBTQI+ no Parlamento português.

A investigadora da Universidade Nova de Lisboa, Eduarda Ferreira, faz uma contextualização acerca da orientação sexual e da invisibilidade. No artigo científico “Movimento Lésbico em Portugal: Percursos e Desafios”, a autora realça a tese de que a Orientação Sexual é “um processo sempre em construção, não é algo estável ou imutável ao longo da vida”.

Neste processo, segundo Eduarda Ferreira, está presente uma “dimensão identitária” que vai sendo construída com base em “diversos momentos através de representações, expectativas e experiências.”

Tendo isto em conta, a investigadora alerta para a diferença entre a orientação sexual e o comportamento sexual, visto que a orientação sexual está intimamente ligada com “sentimentos” e o “autoconceito” e relembra que “o indivíduo pode ou não expressar a sua orientação sexual nos seus comportamentos.”

Neste sentido, a invisibilidade é apontada por Eduarda Ferreira como um dos aspetos a ter em conta quando se aborda o tema da Orientação Sexual. Dada a possibilidade de não revelar a sua orientação sexual, e no “contexto de discriminação social”, muitos membros da comunidade LGBTQI+ ainda se sentem “constrangidos” e em constante “autovigilância na expressão da sua identidade sexual”. Ora, este facto origina uma invisibilidade da comunidade LGBTQI+, em que se incluem as mulheres homossexuais, que já “carregam consigo” a discriminação por serem mulheres.

Neste âmbito, este pode ser um dos motivos para apenas uma deputada ser assumidamente homossexual e para os escassos dados sobre a representatividade das mulheres LGBTQI+ na casa da democracia portuguesa.

A porta continua fechada para outras comunidades


Mas há mais comunidades de mulheres discriminadas no acesso à vida política, nomeadamente as mulheres ciganas. Atualmente, não existe nenhuma mulher cigana na Assembleia da República. Aliás, não existem sequer deputados ciganos.

Para combater a desigualdade e alterar o panorama atual foi criada a Academia de Política das Comunidades Ciganas, uma parceria entre o Conselho da Europa e a Associação Letras Nómadas. Esta associação realiza conferências onde alguns oradores convidados ensinam como se faz política a jovens ciganos.


As mulheres de origem muçulmana são outro exemplo de minoria sub-representada no parlamento. Faranaz Keshavjee, especialista em estudos islâmicos, num artigo publicado pela revista Visão alerta para “a posição da mulher é complicada e que isso tem que ver com a interpretação que os juristas fazem dos códigos de conduta morais fundamentando-se em leituras enviesadas do Alcorão. Escusado será dizer que os juristas são todos homens! E homens que querem fazer prevalecer uma interpretação masculina e masculinizada (com tudo o que ser masculino quer dizer em culturas específicas) em sociedades de tipo costumeiro.”


A investigadora aponta para a “discrepância entre a investigação académica relativamente a esta matéria e a forma como os media sociais difundem e enfatizam a papel subalterno e oprimido da condição da mulher muçulmana.” E alerta para um aspeto por vezes negligenciado pelos media, a promoção da falsa “hegemonização do sujeito “mulher” pressupõe que exista um tipo de mulher apenas. O que todos sabemos, ser falso. Ninguém, em bom juízo, caracteriza uma coisa chamada “o homem cristão”, ou “o homem ocidental”.


Neste sentido, chama a atenção para os estudos académicos que falam da existência de “permanentes desafios e competição desigual, em termos de posição e agência na esfera pública, e a valorização diferenciada entre ambos, sendo que as posições de poder, liderança e rendimentos acabam sempre por subverter a lógica da justiça e paridade de género.”


Na casa da democracia portuguesa ainda não se vêm mulheres muçulmanas, islâmicas, asiáticas, migrantes ou ciganas, entre outras.


Perante este cenário, investigadores, algumas deputadas e ativistas lutam por uma democracia que não discrimine aquela que é uma maioria ainda sub-representada - as mulheres - mas reclamam também uma maior representatividade das mulheres que pertencem a minorias étnicas ou sexuais.

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