top of page

O sofá coçado do Palácio de Belém

“Hoje transformamos o sofá coçado do Palácio de Belém. Amanhã, podemos transformar o seu também.”

Ana Isabel Ribeiro (texto)


Agora que o Presidente da República marcou eleições para o dia 24 de janeiro de 2021, chegou o momento de os candidatos à Presidência queimarem os últimos cartuchos e entrarem numa competição mais séria e puxada— com tudo o que ela implica em termos de dinheiro, tempo de antena e publicidade — chegou também a altura do Palácio de Belém pensar num aspeto muito importante e que tem vindo a ser esquecido há bastante tempo: o sofá.


O sofá do Palácio, mais precisamente o sofá onde o Presidente da República reúne com os partidos e recebe as visitas oficiais, já teve melhores dias. Está velho, usado, deteriorado, exaurido, desgastado, enfim, o que o leitor lhe quiser chamar.


Está coçado ao ponto de se conseguir ver esculpido nas costas a forma dos corpos que nele se sentaram.


É pena que esteja em tal estado, no entanto, analisando de uma outra perspetiva, não destoa de alguns partidos como o PCP ou de traves-mestras da política como o PS e o PSD.


O tecido até é bonito (não está na moda, é certo), mas combina com o estilo clássico do espaço e dá-lhe uma certa harmonia. Tem um certo je ne sais quoi de feng shui estatal.

Porém, repare-se que isso não serve de desculpa para não ser arranjado.


Ser estofador pode ser uma profissão que já teve melhores dias, mas ainda há quem faça desta a sua atividade profissional. É reconhecida a qualidade da indústria têxtil em Portugal, portanto, não há motivo para apreensão. Qualquer estofador deixaria, certamente, o sofá como novo. Quem sabe até consegue replicar o mesmo tecido.


No mês passado mandei estufar o meu e as impressões digitais da volumetria dos corpos que nele se sentam já não são visíveis!


Outro dos motivos que poderiam influenciar tal decisão seria a falta de dinheiro. Ora, desengane-se quem pensa assim. Portugal ainda tem reservas de ouro do tempo de Salazar!

A razão foi mesmo esquecimento. Ou então o Presidente quer mandar uma indireta aos partidos que lá sentam o rabinho…


Se o leitor reparar, as entrevistas com Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio nunca envolvem o dito cujo. São sempre em grandes salões com uma lareira enorme e um mobiliário requintado que até brilha com as camadas de óleo de cedro que lhe deitam para cima.


É fundamental que a questão seja resolvida. É crucial para a residência oficial do Presidente da República. É algo que deve ser tratado com urgência!


Imagino o Presidente, com todo o seu staff, cheio de reuniões e com a agenda sempre ocupada, a despender um pouco do seu tempo para preencher a candidatura ao “Querido Mudei a Casa”.


Teríamos o Gustavo Santos a fazer a introdução do costume— “Bem-vindos a mais um programa! Hoje viemos mudar o Palácio de Belém.”


O resto do programa seriam os gestos compulsivos do apresentador que em tudo se assemelham a uma criança a brincar à “mão tolinha” enquanto diz “Foi aqui que Rui Rio se sentou antes das piscadelas de olho ao CHEGA. Foi aqui, do lado direito, que Chicão, o menino da Forbes, se sentou para abrir a boca e dizer asneira e foi aqui que o Iniciativa Liberal se sentou à conversa com ‘o ministro da propaganda do Governo’” (nome carinhoso que dá a Marcelo).


Depois teríamos o momento DIY (faça você mesmo) e no fim, entra o Presidente da República, a comitiva, os seguranças e o motorista. Todos de olhos vendados. Tiram a venda ao mesmo tempo em que o Gustavo Santos diz “1, 2, 3, sejam felizes!”


Segue-se a música comovente. O matulão do segurança chora como um bebé. O Presidente começa a reação com a palavra que lhe é mais característica, o “Bom…” e o programa termina com as palavras do costume “Hoje transformamos o sofá coçado do Palácio de Belém. Amanhã, podemos transformar o seu também.”


Bem… já chega de sonhar! O Gustavo Santos vai continuar envolvido no colete de forças para não esbracejar, o matulão do segurança vai continuar a não sair da fortaleza de músculo, só o Marcelo vai continuar a exprimir o seu “Bom” para tudo e mais alguma coisa.


O sofá é mais uma das coisas que vai ter de ficar adiada com muita pena do leitor, presumo. Afinal, quem não gostaria de assistir a um “Querido Mudei o Palácio de Belém”?


Espera-se, e faz-se a vontade ao PAN, que parece não se importar com o estado do sofá. Pelo menos foi o que deu a entender no Orçamento de Estado. Absteve-se. Assim não fica com pena se os gatinhos o arranharem.


Por outro lado, o CDS está claramente incomodado com a prioridade dada à “manta de retalhos”. Compreende-se a preferência tendo em conta que já começa a ficar frio e uma mantinha vem mesmo a calhar.


Já o Bloco de Esquerda parece dar bastante importância ao detalhe, especialmente o detalhe decorativo. Não aprovou o orçamento porque não deixaram nada para estofar o adorado assento. Compreensível. Talvez o leitor fizesse o mesmo.

10 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page