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Governo francês recua na “Lei da Segurança Global”, após contestação popular

Atualizado: 20 de jan. de 2021

Um dos artigos do projeto de lei queria tornar crime a divulgação de imagens de polícias em serviço, numa altura em que a atuação policial tem vindo a ser escrutinada no país.

Ricardo Jesus Silva (texto)


Fotografia: Benoit Tessier/Reuters


“A democracia está a ser agredida”. Era esta uma das mensagens presente nos cartazes que encheram as ruas de Paris – e outras cidades francesas – no fim de semana. Mais de 100 mil pessoas saíram às ruas e manifestaram-se contra a aprovação da “Lei da Segurança Global”, que tem como objetivo reforçar os poderes dos polícias no país – e resultou, de certa forma.


O projeto de lei, apresentado pela República em Marcha! – partido do Presidente de França, Emmanuel Macron – alargava o número de situações em que a polícia pode aceder a estabelecimentos armada, bem como estabelecia regras para o uso de drones. No entanto, o artigo que causou mais polémica, tanto em território francês, como internacional, foi o 24º - cidadãos e jornalistas ficariam proibidos de publicar vídeos ou imagens que exponham a identidade de polícias “com o objetivo de lhe causar dano físico ou psicológico”, sob pena de prisão até a um ano e pagamento de uma multa de 45 mil euros.


Devido à forte contestação social sentida nas ruas, o Governo francês decidiu recuar na sua proposta, de forma a reestruturar o artigo, que já tinha causado forte indignação em personalidades ligadas ao média e organização de Direitos Humanos. Defendem que o verdadeiro objetivo do Governo é impedir que jornalistas e cidadãos exponham casos de violência policial, como os que aconteceram recentemente na França.


O Primeiro-Ministro, Jean Castex, tinha considerado o “texto excelente”, mas o líder da bancada parlamentar da República em Marcha!, Christophe Castaner, admitiu que, dentro do próprio partido, tinham surgido dúvidas sobre a proposta. “A lei não foi compreendida por todos, houve dúvidas entre jornalistas, no povo francês, e mesmo até dentro da nossa maioria”, afirmou o líder parlamentar.


“Tive sorte de ter um vídeo que me protegeu”


A tentativa de parar com o escrutínio da ação da polícia não veio em boa altura na França. Só na última semana, o debate público sobre a violência policial foi instigado por dois casos, que não teriam visto a luz do dia caso não existissem vídeos a comprová-la.


O primeiro aconteceu na terça-feira, dia 24 de novembro, quando se realizava uma manifestação, convocada pela organização não-governamental Utopia56, pela falta de abrigo para refugiados em Paris. Mais de 500 requerentes de asilo montaram um campo de tendas na Praça da República, que a Polícia decidiu desmantelar com uma violência desproporcional e injustificada, segundo um deputado do partido França Insubmissa.



As imagens, publicadas no Twitter, mostram a polícia francesa a perseguir e a atacar, não só as minorias étnicas que faziam parte da manifestação, mas também jornalistas e ativistas com cassetetes, gás lacrimogéneo e granadas de atordoamento – uma imagem que se voltou a repetir nos protestos deste fim de semana.


Já o segundo, diz respeito à agressão, por parte da polícia, a Michel Zecler, produtor musical negro. O caso de violência policial terá sido causado pelo incumprimento das regras em vigor para conter as infeções de COVID-19 no país. O produtor musical admitiu que estava sem máscara, nas ruas de Paris, perto do seu estúdio, quando viu agentes da autoridade e, para não ser multado, decidiu entrar no mesmo.


Mesmo assim, os agentes policiais decidiram segui-lo e atacá-lo, tal como mostram as imagens partilhadas nas redes sociais, cinco dias depois da agressão, e que levaram a uma onda de indignação popular. Michel Zecler agradeceu ter um vídeo que o protegesse neste acontecimento.


Em ambas as situações, caso a nova “Lei de Segurança Global” estivesse em execução, a violência policial podia nunca ter vindo a ser conhecida e os seus causadores ter saído impunes – quatro polícias foram acusados de violência voluntária e falso testemunho no caso de Zecler, enquanto o ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, exigiu um relatório da operação policial no caso da manifestação de refugiados.


A lei também pode ir a discussão no Parlamento português

Fotografia: Pedro Fiúza/GETTY


A discussão de uma proposta que impeça civis e jornalistas de captar imagens de polícias em serviço não se ficou só pela França.


Em Portugal, André Ventura, líder e deputado único do CHEGA!, prometeu apresentar um projeto de lei parecido ao francês - embora com razões de existência e consequências mais vincadas do que aquele apresentado pelo partido de Emmanuel Macron – no Parlamento até à passada segunda-feira, mas até agora ainda não houve confirmação se ele foi entregue ou não.


Segundo a LUSA, a proposta de André Ventura compreende uma alteração ao Código Penal e prevê uma pena de um a três anos a “quem capturar imagens ou vídeos de atuação de forças policiais ou agentes de segurança e as difundir no espaço público”. O caso agrava-se se, aos olhos da justiça, “a difusão tiver, notoriamente, como objetivo incentivar ao ódio contra forças policiais ou agentes de segurança” – aqui, a pena pode ir dos dois aos cinco anos de prisão.


Para o deputado de extrema-direita, é necessário “proteger a polícia”, especialmente quando se trata da sua atuação sobre “grupos étnicos ou raciais minoritários”. "É muito raro os polícias cometerem crimes. É muito frequente haver crimes contra polícias. Temos de proteger a atuação das polícias, sobretudo em contexto de operações com grupos minoritários, onde o tema do racismo e da xenofobia vem à baila. É uma novidade no Código Penal português, uma inovação que vai ajudar à manutenção da ordem e à luta contra a violência nas ruas", afirmou André Ventura.

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