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Orçamento do Estado para 2021 aprovado em votação final, mas só com os votos a favor do PS

Atualizado: 20 de jan. de 2021

Depois de dias a discutir o Orçamento na especialidade, a incerteza, que pairou sobre a Assembleia da República durante meses, chegou ao fim. No entanto, nem tudo foram vitórias para o PS.

Ana La-Salete Silva e Ricardo Jesus Silva (texto)


Fonte: Nuno Ferreira Santos/PÚBLICO


O dilema do Orçamento do Estado para 2020, que constituiu um verdadeiro quebra-cabeças de alianças para o Governo de António Costa, finalmente terminou. Com as abstenções das deputadas não inscritas – Cristiana Rodrigues e Joacine Katar Moreira -, do PCP, PEV e PAN, os votos positivos dos 108 parlamentares do PS foram suficientes para levar a proposta a Belém, com várias reformulações.


A mais importante de todas - e que deixou um ambiente tenso no Parlamento, com o PS a acusar o PSD de “irresponsabilidade” - foi a recusa de uma transferência de 476 milhões de euros para o Novo Banco, em 2021. Os sociais-democratas foram fulcrais na aprovação da proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda, que também contou com o apoio do PCP e do PEV (com quem as negociações do OE se focaram), do CHEGA! e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira – uma “coligação negativa”, como a apelidou o primeiro-ministro. O CDS absteve-se e a IL e o PS votaram contra.


A mudança no sentido de voto por parte do CHEGA! foi uma das grandes surpresas da manhã, já que, na quarta-feira, André Ventura tinha votado contra a proposta do BE na comissão. Já fora do Parlamento, em reação aos jornalistas, o líder do CHEGA! justificou esta mudança com a garantia que o PSD lhe tinha dado que, caso fosse necessário, o partido presidido por Rui Rio estaria disposto a aprovar uma retificação ao Orçamento.


No ponto de vista do vice-presidente da bancada socialista, João Paulo Correia, esta proposta pode constituir uma “bomba atómica na confiança do sistema financeiro” e danificar a imagem de Portugal a nível internacional. Já António Costa, depois de ter tecido várias críticas a Rui Rio e ao BE, assegurou que “contrato assinado é contrato honrado” e que o vai fazer cumprir de alguma maneira – “Se não há cão, haverá gato”.


O contrato a que o primeiro-ministro se refere é o de venda do Novo Banco aos americanos do Lone Star, que prevê uma almofada total de 3,9 mil milhões de euros para o antigo BES. Esta é a primeira vez desde 2017, ano em que o contrato foi assinado, que um Orçamento do Estado, não só não prevê a transferência anual por parte do Tesouro para o Fundo de Resolução, como impede qualquer tipo de injeção do Fundo no Novo Banco – mesmo que venha da banca privada. João Leão, ministro das Finanças, já admitiu recorrer ao Tribunal Constitucional para inverter o chumbo das transferências, uma possibilidade que António Costa não quis comentar.


Esta proposta pode pôr o próprio Estado em incumprimento de contrato e não espera pelos resultado de uma nova auditoria ao Novo Banco, que, recentemente, viu a sua transparência ser posta em causa devida à venda de ativos com grandes descontos.


Para Mariana Mortágua, resume-se tudo a esse ponto. “Se queremos dizer a verdade, não é possível autorizar a verba e dizer que esperamos pela auditoria. (…) Não vale a pena chantagens nem dramas num assunto tão sério. Não está em causa o contrato, mas sim transparência e isso dá confiança ao sistema financeiro”, afirmou.



Um divórcio já anunciado – pelo menos, por agora


Com as posições cada vez mais extremadas entre o PS e o BE, é provável que o casamento que viabilizou os últimos cinco Orçamentos de Estado não tenha mais salvação.


António Costa, esta tarde, voltou a afirmar que o partido coordenado por Catarina Martins “desertou” de uma solução governativa e denunciou as suas “tendências populistas”, depois de, em debates anteriores, ter acusado o Bloco de Esquerda de votar ao lado da direita.


As negociações entre os dois partidos para este Orçamento do Estado foram uma autêntica novela e a sua primeira votação já fazia antever este desfecho, apesar do BE deixar no ar um ainda possível entendimento entre as duas partes. Esse entendimento só seria possível caso o PS aprovasse as 12 propostas apresentadas pelos bloquistas na especialidade – o menor número de propostas apresentadas por um partido.


No entanto, só uma passou – a do Novo Banco –, e não foi pelas mãos do PS.


Catarina Martins relembrou, esta manhã, em Parlamento, que foi António Costa quem não quis um acordo de legislatura no ano passado e que ainda não cumpriu algumas medidas que levaram os bloquistas a aprovar o OE de 2020. "Não cumpriu com a esquerda e não cumpriu com o país, que já nem estranha catadupas de anúncios com pouca ou nenhuma consequência", afirma a bloquista.


Para além disso, a Coordenadora Geral do Bloco de Esquerda considera que este Orçamento “já está desatualizado”, porque não contempla medidas que possam reforçar a economia do país, afetada pela segunda vaga do novo coronavírus.


Mesmo assim, ainda existe esperança por parte de Catarina Martins da política portuguesa se fazer à esquerda. "Com a ‘cheguização’ do PSD, o PS terá sempre que fazer uma escolha essencial: ou procura a direita, mas essa direita já não existe, ou faz um contrato para políticas sociais que façam uma maioria que proteja Portugal."


Para além do Novo Banco – eis o Orçamento do Estado para 2021


Fonte: Nuno Ferreira Santos/PÚBLICO


O Orçamento do Estado para 2021 foi marcado por discórdias associadas ao Novo Banco, mas os quatro dias de votação abordaram um número recorde de cerca de 1500 propostas por parte dos partidos.


A nível ambiental, as mudanças previstas são muitas e começam, desde logo, com a proibição, a partir do próximo ano, da comercialização de detergentes e cosméticos com microplásticos na sua constituição. A regulamentação sobre as multas será feita pelo Governo até ao final de junho de 2021.


Foi também aprovada a criação de uma taxa de carbono no valor de dois euros por cada viagem aérea ou marítimo-fluvial que não seja feita em transportes públicos de passageiros. O objetivo é que o valor reverta para o Fundo Ambiental e dê financiamento a opções de mobilidade sustentável. Além disso, prevê-se que, a partir de 2022, entre em vigor uma taxa de 30 cêntimos aplicada ao uso de embalagens descartáveis para refeições compradas em serviços de entrega ao domicílio ou take away – uma proposta do PAN, que só obteve votos a favor do próprio partido e do PS.


No que toca à deslocação, o PSD fez duas propostas a partir das quais se fez um acordo, contra o qual votou o PS e a IL: a redução em 50% (que pode ser de 75% no caso de carros não poluentes) das taxas de portagem nas Scut do Interior, Algarve, Costa de Prata, Grande Porto e Norte Litoral. Foram ainda aprovados incentivos fiscais à compra de veículos com autonomia superior a 50 quilómetros, com votos a favor do PS, Bloco de Esquerda e PAN.


Para os trabalhadores, também há mudanças. A proposta do PSD para criar um subsídio de risco para profissionais das forças de segurança até junho de 2021 obteve aprovação, apesar do voto contra do PS e da abstenção da Iniciativa Liberal. O valor desse subsídio não consta, contudo, na proposta.


Também os trabalhadores de desgaste rápido que pediram a reforma no ano de 2019 vão ver um benefício nas suas pensões, através de um recálculo que não aplica o fator de sustentabilidade – aquele que, ao relacionar a idade legal da reforma com a idade em que esta foi pedida, penalizava estes trabalhadores. As pensões de reforma até 658 euros vão sofrer um aumento extraordinário de 10 euros, pago a partir de 1 de janeiro.


Apesar dos votos contra do PS e da abstenção do CDS, as ausências ao trabalho para fazer doações, por exemplo, de órgãos vão passar a ser consideradas uma prestação efetiva de trabalho, ao invés de falta por doença, como acontecia anteriormente.


Foi ainda aprovada a proposta do PCP que alarga os benefícios em vigor para os clínicos que trabalham em zonas carenciadas, para que estes se apliquem ao internato médico. O mesmo partido propôs ainda a baixa a 100% para trabalhadores da área da saúde diagnosticados com COVID-19, equiparando-os aos funcionários públicos, para garantir que não existem cortes no rendimento de base destes profissionais.


Um novo apoio extraordinário aos rendimentos dos trabalhadores até 501,16 euros – ideia lançada pelo Bloco de Esquerda, mas proposta pelos socialistas – foi também aprovado.


Em contexto pandémico, os trabalhadores em lay-off vão ser pagos integralmente até ao limite de três salários mínimos (mais de 1900 euros). Prevê-se também a criação de um apoio público às microempresas e às PME para o pagamento das remunerações.


Os cidadãos desempregados, cujo período de concessão do subsídio de desemprego termine em 2021 vão, excecionalmente, usufruir desses pagamentos durante mais seis meses. O montante diário deste subsídio vai, aliás, aumentar, segundo a proposta do PCP, “em 1/30 de 10% da retribuição mínima garantida por cada filho que integre o agregado familiar do titular da prestação”. Já os jovens no desemprego ou à procura de emprego terão à sua disponibilidade, no primeiro trimestre de 2021, um programa de estágios na Administração Pública.


E os sem-abrigo também estão incluídos no Orçamento de 2021 – o Governo aprovou um programa de formação e emprego que promova a sua integração profissional. A medida proposta pelo PAN prevê a criação deste programa também no primeiro trimestre do próximo ano.


Em relação aos impostos, foi criado um regime transitório de pagamento em prestações de IRC e IVA no ano de 2021, aplicável a valores até 25 mil euros. A taxa de IVA das castanhas e frutos vermelhos congelados vai baixar de 23% para 6%, e a que for paga nos ginásios e em medicamentos veterinários vai passar a ser parcialmente abatida ao IRS. Já os gastos com equipamento de proteção contra o SARS-CoV-2 – máscaras, viseiras e gel desinfetante – vão passar a ser considerados no IRS como despesas de saúde, sendo que a Autoridade Tributária e Aduaneira vai considerar, até ao limite de 1000 euros, todos os encargos com saúde. E o valor mínimo de rendimentos até ao qual não se paga IRS foi aumentado para 9215,08 euros por ano.


Ficou ainda decidido unanimemente que, no primeiro semestre do próximo ano, o corte de serviços essenciais como a água, luz, gás e comunicações estará proibido. Para quem paga as creches, haverá também novidades: o PCP propôs que estes estabelecimentos, em caso de encerramento ou suspensão de atividade, devem rever as mensalidades pagas pelas famílias, e a Assembleia aprovou.


A Entidade para a Transparência, criada em 2019, mas cuja localização ainda não foi definida, terá um reforço do seu orçamento em 646 mil euros, de acordo com a proposta aprovada do PS. O PAN propôs a norma, também aceite, segundo a qual a localização da sede desta entidade tem de ser definida em 60 dias.


O Serviço Nacional de Saúde vai, por seu turno, ver um reforço no seu combate à pandemia de COVID-19, com a criação de 409 camas de cuidados intensivos, bem como a contratação de 47 médicos, 626 enfermeiros e 198 assistentes operacionais. Também se prevê o investimento de 50,5 milhões de euros para substituir e comprar equipamento pesado hospitalar em 2021 e a contratação de 935 médicos para centros de saúde.


No setor da cultura, os comunistas conquistaram – com votos contra do PSD, CDS e IL – o alargamento da gratuitidade de entrada aos domingos e feriados a todos os Museus, Palácios e Monumentos Nacionais.


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