Com “Si c’était de l’amour”, Patrich Chia capta tudo o que é essencial na aclamada peça de dança "Crowd"; e vai mais longe - oferece-nos um convite irrecusável para a sua própria rave party.
Ricardo Jesus Silva (texto)
Fotografia: "Si c'était de l'amour" (2020), dir. Patric Chiha
“E se o riso, o choro e o tremer do corpo anteceder a felicidade, a infelicidade e o medo, em vez do contrário?” É com esta teoria da emoção que Patric Chiha, num vídeo a agradecer a presença do seu trabalho no Queer Porto 6, apresenta o seu novo documentário “Si c’était de l’amour” – em português, “Se fosse amor”.
A obra segue os bastidores e ensaios da peça de dança avant-garde de Gisèle Vienne, “Crowd”, baseada nas rave parties dos anos 90. Mas Patric não almeja um documentário tradicional com esta obra.
As linhas entre o real e o ficcional são várias vezes obscurecidas durante a hora e meia de filme. Dos 15 dançarinos que fazem parte da peça, a lente de Patric capta seis a preparar as suas personagens, bem como aspetos das suas vidas pessoais que as influenciaram. É uma obra humanizante, mas que não deixa escapar as irreverências tanto dos atores, como da própria encenadora.
Um nazi que deseja o toque de outro homem, um transsexual que encontra numa dessas raves uma colega de infância, uma mulher que está tão farta de procurar amor que se rende, vazia, à primeira hipótese que tem. Estas histórias não transparecem na peça em si e os próprios atores, às vezes, apelidam-nas como bullshit, mas “Si c’était de l’amour” usa-as para impulsionar a sua narrativa e acrescentar profundidade às personagens.
Tudo isto acontece ao mesmo tempo que um instrumental tecno hipnotizante enche os ouvidos dos espetadores e “puxa-os” para dentro do universo representado, um sentimento que continua agarrado a nós muito depois da peça acabar. E Patric aproveita-se desta intensidade com mestria. Contrastando momentos quase silenciosos - onde murmúrios impercetíveis mostram a cumplicidade entre os atores - com explosões sonoras da peça a ser dançada, a viagem que nos é proposta é eletrizante.
Mas existe alguma turbulência na mesma. A falta de estrutura narrativa que, por vezes, até é o motor do documentário – confere-lhe uma liberdade artística curiosa, complementada pela cinematografia viciante de Jordane Chouzenoux - por outras, faz com que o espetador se perca no universo criado por Gisèle Vienne. Os saltos entre a personagem e o ator não são marcados e, frequentemente, tornam-se confusos. Ao mesmo tempo, enquanto algumas das personagens apresentadas têm um grande destaque e os seus motivos e origens são apreendidos, outras ficam-se apenas pela superficialidade, deixando o espetador com uma curiosidade nunca desfeita.
“Si c’était de l’amour” é, não só, uma admirável adição à filmografia de Patric Chiha, como um ótimo complemento à aclamada peça de dança “Crowd”. A grande estrela da obra de Gisèle Vienne é a complexidade das emoções e como elas se formam e representam num ambiente intenso, e Patric consegue captar facilmente este conceito, oferendo-nos um convite irrecusável para a sua própria rave party.
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