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Web Summit: A tecnologia está a mudar o futuro do jornalismo

Foto do escritor: jornalsatelitejornalsatelite

Atualizado: 20 de jan. de 2021

A era da informação é a era da desinformação. Durante os três dias da conferência o jornalismo e a tecnologia estiveram num frente a frente para discutir as implicações dos avanços tecnológicos na profissão.

Ana Isabel Ribeiro (texto)


Fotografia: Oliver Thomas/ Unsplash


Os avanços tecnológicos vieram alterar a forma como consumimos os conteúdos noticiosos. Por sua vez, a génese e a forma de fazer jornalismo também teve de se adaptar, muitas vezes sem acompanhar o progresso das plataformas. Este ano, a Web Summit disponibilizou o ecrã para uma série de sessões sobre os impactos da tecnologia no jornalismo, o futuro da profissão e como o vírus das fake news se espalha mais rápido do que o novo coronavírus.


Escrever exclusivamente para o papel, ter tempo para escrever a notícia, pensá-la, escrutiná-la, todas estas etapas que compunham o trabalho redatorial dos jornalistas desapareceram com a Internet e, consequentemente, a instantaneidade que a mesma trouxe. Ao mesmo tempo, a quantidade de pessoas que não tinham o hábito de consumir informação noticiosa aumentou com o acesso gratuito proporcionado pelo meio online.


Na era da informação, qual o futuro do jornalismo?


A tecnologia alterou por completo o sistema de informação noticiosa, começa por dizer Connie Guglielmo, jornalista do CNET.


Se, por um lado, os avanços tecnológicos permitem que a informação chegue a uma maior audiência, o que faz da tecnologia um poderoso aliado do jornalismo. Por outro, a questão vai muito para além da camada superficial de positivismo que a mesma transparece. A tecnologia estabelece, cada vez mais, uma inimizade, que abriu caminho a um fosso cada vez maior e mais fundo com a profissão e tudo o que ela representa em termos de veracidade, rigor entre outros valores. Os pratos da balança não têm, de todo, o mesmo peso, já que as questões relativas à desinformação suportadas pela ascensão de plataformas sociais colocam-lhes um peso extra.


Tendo trabalhado no antes e no depois das mudanças, para Connie Guglielmo, o principal problema é a falta de tempo para preparar histórias, pensar no conteúdo e na forma como vai ser abordado. “Devia de existir mais tempo para pensar sobre o que estamos a relatar”, afirma.


Jornalista? “Não tente ser um sem saber o que está a fazer”


Ann Curry do Poynter Institute, encontra mais fatores negativos do que positivos na relação Jornalismo-Internet. O facto de existir a opção de substituir os repórteres por cidadãos que se deslocam ao local da notícia, faz com que se democratize a profissão. De um momento para o outro, todos podem ser jornalistas. A falta de barreiras e limites que protejam a profissão e os profissionais é uma realidade cada vez mais próxima. “Qualquer pessoa pode criar um blog e relatar fatos, seja nas redes sociais ou em novos sites como o buzzfeed. Existe uma diversificação de novas fontes. A comercialização de agências de notícias intensifica esse processo”, explica o jornalista do The Wall Street Journal, Gerry Baker.


Contudo ainda há uma questão que a Internet não conseguiu resolver, “Ainda não encontrou uma maneira de substituir a reportagem de qualidade que foi roubada”, friza Ann.


O sentimento de independência que as redações sentiam em relação aos artigos que noticiavam perdeu-se, em consequência do avanço tecnológico. “Como jornalistas e editores, considerávamos isso garantido e o público quer informações de novas maneiras - os jornalistas não se adaptaram rapidamente e mantiveram-se nos velhos tempos”, conta o presidente do Poynter Institute, Neil Brown.


“Nunca foi um momento melhor para se ser repórter, a menos que queiramos ser pagos”


Essas novas maneiras de divulgar a informação tão desejadas pelo público levaram ao surgimento de um novo tipo de jornalismo— um “jornalismo de secretária” —, onde não existe a necessidade de ir diretamente à fonte para ter a notícia.


Ainda assim a camada de potencialidades que a Internet oferece acaba por ser infinitamente superior “Nunca foi um momento melhor para se ser repórter”, revela o diretor executivo do LA Times, Norman Pearlstine. A possibilidade de chegar a um número de pessoas muito superior ao que acontecia anteriormente, é um ponto positivo. Ainda assim, frisa, Neil Brown, existe “um paradoxo profundo em que vemos tudo, mas não temos dinheiro para relatá-lo”.

Voltando às palavras de Pearlstine, é uma boa altura para se ser repórter, “a menos que queiramos ser pagos”, acrescenta.


A precariedade do meio não deixa de acontecer ainda que as oportunidades retiradas dos avanços sejam superiores. A tecnologia permite fazer todo o tipo de coisas, mas se não existir um modelo de negócio que suporte a profissão, ela caminha para um beco sem saída. Gasta-se muito dinheiro online que é direcionado para plataformas que não o devolvem à produção noticiosa online e esta falta de apoio ao jornalismo leva a que muitas empresas sejam obrigadas a fechar portas. Segundo Connie, só durante este ano, “cerca de 50 a 60 organizações fecharam”.


Da falta de fundos à falta de confiança


Os media tradicionais já não são uma firewall que só deixam passar o que é verdadeiro. À parte das plataformas de fact-checking (verificação de factos), é cada vez mais difícil para as pessoas distinguir o que é do que não é autêntico. “Verificar tudo é essencial”, alega Neil Brown.


“Há muito que as pessoas deixaram de acreditar no jornalismo como uma instituição”, revela Pearlstine. A proliferação de fake news (notícias falsas) nas redes sociais potenciada pelos avanços tecnológicos, entre os quais figuram a Inteligência Artificial— ferramenta mais utilizada na descrença nas notícias pela possibilidade de conteúdos que induzem as pessoas em erro como vídeos que manipulam discursos políticos— é a principal ameaça à profissão.


“(…) temos que fazer um trabalho muito melhor para lembrar às pessoas porque é que isso é importante. Mas para isso, adianta, é necessário que exista criatividade para encontrar nova formas de financiar estes conteúdos”


Ter acesso a informação, mais concretamente, informação verdadeira é essencial num momento como o atual, onde a informação falsa se espalha mais rápido do que a pandemia.

“Assim como usamos máscaras e evitamos certos comportamentos que podem comprometer a nossa saúde, temos de ter comportamentos que evitem a informação falsa”, alerta o médico e social democrata Ricardo Baptista Leite.


Para o cientista e empresário Hao Li “Falsificar informação para desinformar é um problema sem solução- devíamos mudar todos os regulamentos e a sociedade não está a acompanhar o avanço tecnológico tão rápido”.


Há uma mudança em ser-se jornalista? “Absolutamente, e o que se espera mudou também”, assume Connie.


Hoje, reportar factos não significa que é suficiente contar o que aconteceu. O novo meio e formato exige que os jornalistas não só sejam transparentes na divulgação da informação, como também conhecedores dos temas que estão a tratar, porque “qualquer pessoa pode contar o que aconteceu em qualquer lado”, explica a jornalista do CNET.


Esta transparência é algo mais difícil de controlar, num meio tão tecnológico como o atual. O facto de cada vez mais se servirem da credibilidade do jornalismo para propagar ideias e ganhar dinheiro, adensa o descrédito e a falta de confiança na indústria. “As pessoas acusam-nos de estar no poder”, revela Ann Curry.


“Os jornalistas não tinham rosto e agora a tecnologia trouxe a chance de eles terem um rosto com as redes sociais como o Tik Tok, os vídeos (…). Transparência é “a chave do jornalismo”, acrescenta.


Neil Brown também acredita que, em 2050, o jornalismo vai continuar a desempenhar um papel importante e preponderante na sociedade. O que é preciso é que os jornalistas se adaptem “às formas de contar histórias, estar próximos do público, atingindo as pessoas de diferentes formas”, afirma. “Nós, como indústria, temos que fazer um trabalho muito melhor para lembrar às pessoas porque é que isso é importante. Mas para isso, adianta, é necessário que exista criatividade para encontrar nova formas de financiar estes conteúdos”, conclui, estabelecendo um paralelismo à questão da necessidade de maiores fundos.

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