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Web Summit: De que lado estão os EUA?

Foto do escritor: jornalsatelitejornalsatelite

Numa série de talks, os oradores da Web Summit discutiram o presente e o futuro dos EUA e o único consenso a que chegaram foi que estes estão recheados de incerteza.

Ricardo Jesus Silva (texto)



No dia 3 de novembro de 2020, os americanos saíram a rua para escolher aquele que seria o seu presidente durante os próximos quatro anos. O eleito foi Joe Biden, um candidato democrata que já tinha vice liderado o país de 2008 a 2016, sob a alçada do Presidente Barack Obama.


No entanto, é difícil de falar de uma vitória de Biden sem falar das duas grandes questões que encheram o debate público americano – e o mesmo aconteceu nas talks do WebSummit que a equipa do SATÉLITE assistiu: o quão seguras foram as eleições americanas e será que Biden consegue salvar os EUA dos danos do trumpismo?


A desinformação como arma política

O terreno para uma disputa dos resultados das eleições começou a ser feito cedo por Donald Trump e os seus apoiantes. “Fraude Eleitoral” só não parece ter sido a expressão do ano, porque uma pandemia global afetou todos os quadrantes da sociedade de forma inédita nos últimos cem anos – e as eleições americanos também fazem parte do seu círculo de influência.


É que, nos passados atos eleitorais, e como afirma Alex Stamos – cientista de computação greco-americano, que faz parte do Stanford Internet Observatory, e ex-chefe de segurança do Facebook -, a desinformação ou as chamadas “fake news” (notícias falsas) focavam-se na desacreditação do ato eleitoral - em fazer que as pessoas não votassem ou fazê-las acreditar que o seu voto era, simplesmente, inútil.


Nestas eleições, a desinformação atacou também o resultado eleitoral e teve um bode expiatório perfeito: os votos antecipados, que tiveram um crescimento anormal neste ano, devido à pandemia. As justificações foram várias: desde boletins de votos que seriam contados várias vezes (mas só democratas) ou votos que se perderiam intencionalmente (mas só republicanos), até uma teoria da conspiração que as máquinas de voto estariam a ser hackeadas por uma coligação comunista da China, Venezuela e Cuba.


De acordo com Stamos, o caminho para esta disputa começou a ser organizado em setembro, embora não fosse muito específico. As intervenções de Donald Trump e outros integrantes do partido republicano sobre o assunto eram esporádicas, mas incitaram uma desconfiança nos resultados das eleições em parte da população americana.


Mesmo assim, só com a chegada da semana das eleições e nos dias seguintes é que se percebeu que era tudo um fenómeno organizado por grandes influenciadores da sociedade americana, que foram capazes de injetar esta narrativa nos órgãos de comunicação e blogs conservadores dos EUA, impulsionada pelas redes sociais – o que representa uma forma muito diferente de como a desinformação normalmente atua.


A “Election and Integrity Partnership” (EIP), da qual Alex Stamos faz parte, foi criada, em parte, com o objetivo de combater a desinformação nas redes sociais, partilhada por estes influenciadores. O intuito era ter um impacto em tempo-real e não esperar por estudos que comprovassem a influência de forças externas passado meses, mas que já não podiam fazer nada para reverter danos.


Ilustração: ABC News


A organização analisou as políticas de combate a informações não fidedignas de várias plataformas sociais e concluiu que o Youtube era a que tinha um política menos compreensiva entre as plataformas – e não o Facebook, como dizia o preconceito social. Desde a sua análise, as políticas já formas atualizadas, mas a EIP identificou falhas graves no exemplo do Youtube.


Em primeiro lugar, é necessário perceber que, como plataforma de streaming de vídeo, a possibilidade de fazer fact-check torna-se muito mais complicada, principalmente quando se fala em vídeos em direto. Uma forma de combate seria monitorizar o conteúdo postado por certos influenciadores que tenham sido identificados como precursores de desinformação. Como consequência, Stamos sugere que o acesso à plataforma, por parte destes influenciadores, seja suspenso por um determinado período de tempo.


Aliás, o Youtube já tem uma política para isto (a famosa “Three Strikes Rule”), mas que, na análise inicial feita, não compreendia a repercussão de desinformação – e esse era um dos problemas fundamentais.


Para o ex-chefe de segurança do Facebook, é necessário aplaudir todas as iniciativas tomadas entre as eleições de 2016 e 2020 para as tornar mais transparentes. Se tivéssemos as mesmas ferramentas que em 2016, “muita coisa poderia ter corrido mal e pior”. Mas ainda há uma estratégia que não foi amplamente discutida: a intervenção federal.


Alex Stamos considera que o “Governo deveria ter o poder de perceber o que está a acontecer nas redes sociais, a um nível doméstico. Não devem ter o poder de ditar o que é errado ou não, mas deviam poder aceder a estas redes.” A intervenção do Estado no funcionamento interno destas plataformas é ainda reduzido, segundo o cientista de computação.


E o mesmo afirma Britanny Kaiser. Para a cofundadora da “Who Owns Your Data Foundation”, Donald Trump permitiu quebrar normas sociais na vida digital, que não seriam possíveis de atravessar na vida real. Dessa forma, Britanny acredita que as plataformas sociais “necessitam de ser reguladas, apagar ou adicionar informação” a posts que contenham desinformação ou precisam de alguém a verificar os conteúdos que são colocados online e fazê-los responsáveis pelos mesmos.


Uma eleição ainda a ser disputada

É no Senado americano que se concentra, agora, a disputa entre Republicanos e Democratas. Fotografia: Literary Hub


Pode ter passado mais de um mês desde o dia 3 de novembro, mas ainda não tivemos uma resposta definitiva sobre que partido realmente ganhou as eleições.


Os democratas esperavam uma blue wave, mas esta não passou de uma miragem após tantos dias de seca. Apesar da vitória de Biden sobre Trump ter sido expressiva – uma diferença de mais 7 milhões de votos e 74 votos no colégio eleitoral -, o mesmo não se pode dizer da corrida ao Senado e à Câmara dos Representante. Na última, os Democratas perderam, até agora, 9 lugares, enquanto os Republicanos ganharam 10. Mesmo assim, o seu controlo já está assegurado pelos azuis.


No entanto, é no Senado que se discute, agora, o futuro dos EUA. De acordo com Brian Cohen, democrata e apresentador político, os democratas esperavam um repúdio da era Trump, e consequentemente, repúdio dos republicanos, mas isso não se verificou. Os vermelhos estão a um lugar de garantir o controlo da Câmara Alta dos EUA, que vai ser decidido nas segundas voltas de janeiro, na Georgia.


Caso os republicanos ganhem mais um lugar, o futuro de Joe Biden e da América, em si, vai ser incerto, afirma Bill Kristol, fundador do “Defending Democracy Together” (DDT). Tradicionalmente republicano, votou no candidato democrata por rejeitar as políticas de Trump, que ofendem o cargo de Presidente na sua ótica. Mas não consegue definir de que lado estão os EUA, neste momento.


Qual o partido maioritário nos EUA? Qual a sua ideologia? E como vai ser a era Biden? São tudo questões com respostas adiadas desde o início de novembro, mas o caminho não se avizinha fácil para Joe Biden.


A verdade é que o futuro Presidente não provoca o mesmo entusiasmo que os anteriores, mas Brian Cohen recusa-se a acreditar que ele será um Presidente “tapa-buracos”. “É necessário parar de olhar para o que pode acontecer a seguir a este mandato e focarmo-nos no que ele pode representar”, afirma o apresentador. Segundo o mesmo, as prioridades do democrata são claras e grande parte podem ser alcançadas sem o apoio do Senado, através de ordens executivas.


Em matéria de ambiente, o Presidente-eleito pode ajudar a reverter as alterações climáticas, através da reentrada nos Acordos de Paris, entre outras medidas – que Cohen considera ser a matéria mais importante que Biden tem para enfrentar.


Já Kristol, acredita que Biden tem de enfrentar primeiro a pandemia, assegurar a saúde pública e a estabilidade da economia. Será este o seu grande teste perante os americanos e o democrata não pode reprovar.


Mesmo assim, o fundador do DDT acredita que Joe Biden tem a experiência e a capacidade de negociar com os dois grandes partidos políticos americanos, o que não se consegue encontrar nos outros candidatos que participaram nas Primárias do Partido.


No entanto, é aqui que reside o problema da política dos EUA para Britanny Kaiser - o bipartidarismo, que tem levado à polarização da polução americana e impedido os cidadãos de desejarem que o seu próprio Presidente tenha sucesso no cargo. A realidade é que 48% dos eleitores não rejeitou Trump, mesmo com todos os escândalos e polémicas do seu mandato.


Para Bill Kristol, os republicanos não estão em desespero suficiente, mesmo após “um Presidente horrível”, o que levanta a questão: quando é que os americanos vão estar, novamente, unidos a apoiar o sucesso do seu Presidente?

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